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A "cura gay" e o preconceito a ser curado. Monica Maino, Maria Alice Fontes

A liminar assinada pelo juiz da 14ª Vara Federal no Distrito Federal, Waldemar Cláudio de Carvalho em setembro, que autoriza psicólogos a oferecerem terapia de “reversão sexual”, popularmente conhecida como “ a cura gay”, sem serem punidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) repercutiu fortemente junto à opinião pública. O CFP recorreu da decisão por entender que esta liminar é prejudicial não só aos psicólogos, como à população LGBT.

Um grupo pequeno de profissionais da psicologia, dentre eles uma psicóloga que teve o registro cassado por oferecer a “ cura gay” a seus pacientes, entrou com essa liminar a fim de continuar a oferecer essa prática, proibida pelo Conselho desde 1999, por uma resolução que leva três pontos em consideração:

• Que homossexualidade não é doença, distúrbio ou perversão;
• Que na sociedade há “inquietação” em torno de práticas sexuais desviantes;
• Que a psicologia deve contribuir para esclarecer questões na área, permitindo a superação de preconceitos.

Diante disso, determina que os profissionais não exerçam qualquer atividade que transforme a homossexualidade em doença nem adotem posturas para “curar” gays. Além disso, veta que eles se pronunciem sobre o assunto de modo a reforçar preconceitos.

Por quê os psicólogos não podem oferecer a “cura gay”?

Os psicólogos não podem oferecer “cura gay” simplesmente porque “cura” implica doença e homossexualidade não é doença, além de não existir nenhuma terapia capaz de mudar a orientação sexual do paciente. Dessa forma, seria no mínimo desonesto psicólogos oferecerem um tratamento para o qual não foram treinados uma vez que a Psicologia (que é uma ciência e não a tradução de valores morais dos profissionais que a exercem) não vê a homossexualidade como doença e tampouco busca para ela tratamento. O maior perigo de uma resolução como esta é que ela pode exacerbar a intolerância e a homofobia, já que alguns podem concluir que o que é passível de cura é desvio e precisa ser corrigido.

Qual o impacto da intolerância quanto a orientação sexual?


Não se pode deixar de mencionar que o ambiente repressor tem um impacto negativo para os jovens homossexuais, podendo resultar em suicídio. Um estudo da Universidade da Columbia, nos Estados Unidos, sobre a relação entre a orientação sexual e o suicídio entre jovens concluiu que a probabilidade de um homossexual cometer suicídio é cinco vezes maior do que um jovem heterossexual. Adolescentes que vivem e estudam em locais que aceitam melhor gays e lésbicas têm 25% menos probabilidade de tentar suicídio do que os ambientes mais repressores (HATZENBUEHLER, 2011).
Adriana Galvão, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chama atenção para o fato de que nos primeiros quatro meses deste ano, o Brasil teve um aumento de 20% nas agressões contra pessoas LGBT. Em 2016, houve 343 mortes nesse grupo -144 das vítimas eram travestis e transexuais.

O quê Freud disse sobre a “cura gay”?


Causa estranheza à maioria dos profissionais de saúde mental que esse assunto ainda esteja em pauta, uma vez que Freud, em 1935, já idoso, respondendo à carta da mãe de um homossexual, já deixava bem clara sua posição acerca da homossexualidade: “Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra, sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis”.

Ainda na mesma carta, o pai da psicanálise discorre sobre o tratamento requisitado pela mãe: “Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade, visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em termos gerais, nada parecido podemos prometer.” (...) e apresenta a forma possível de ajuda ao paciente: “A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência, independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.”

O quê um psicólogo pode fazer para ajudar um homossexual?

O mais comum é que pacientes homossexuais procurem terapia por vivenciarem conflitos que não estão ligados diretamente a sua sexualidade, mas ao discurso social que dita os parâmetros da “sexualidade de normal”.

Independentemente das crenças pessoais do psicólogo, não lhe cabe exercer qualquer tipo de ação que induza a tratamentos não solicitados visando a “cura gay” ou “terapias” com o intuito de produzir uma reversão na chamada “orientação sexual”, como se existisse uma linha "normal" da qual o/a homossexual se desviou.

Como a psicologia pode ajudar os homo fóbicos?

A psicologia pode ajudar muito as pessoas homo fóbicas a reverem seus pensamentos e libertarem-se deste tipo de amarras. As diferentes linhas terapêuticas oferecem tratamento para aqueles que percebem que discriminar, tentar impor seus valores morais ao outro pode causar dificuldades de relacionamento social e sofrimento psíquico.

A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) entende o comportamento (homofobia) como resposta a um sentimento (medo, insegurança, raiva), que pode ter sido produzido por um pensamento distorcido. Através de diversas técnicas, o terapeuta, juntamente com o paciente, identificará e corrigirá essas crenças distorcidas. O preconceito é apenas uma das distorções que podem levar o paciente a maximizar uma situação que não tem evidência alguma de se tornar uma ameaça real. Entendemos que o preconceituoso também sofre ao viver aprisionado a um conjunto de ideias que restringem seu universo psíquico, assim como sua convivência social.

A psicanalista Mila Bitelman explica como a Psicanálise entende o preconceito e trata o preconceituoso: “A intolerância explicita algumas das limitações do preconceituoso. Refere-se a partes suas, inaceitáveis para o sujeito, despertadas e ameaçadas no encontro com o outro. Enquanto rechaça e isola o outro, o preconceituoso acredita-se seguro e protegido de algumas de suas mais profundas inquietações. O outro torna-se o depositário encarnado de seus temores. A Psicanálise convida o inquieto preconceituoso a olhar-se de perto, a investigar e compreender porque aspectos seus se ligam e se incomodam com questões do outro”.

Qual o papel da sociedade junto aos homossexuais?


A homossexualidade é uma condição sexual, não uma escolha ou doença, e respeitá-la é uma obrigação não só do psicólogo, mas de toda a sociedade, a fim de que sejam preservados os direitos de todos à igualdade e à liberdade. O preconceito pode e deve ser revisto, tratado, e a psicologia tem muito a oferecer neste campo.


Referências bibliográficas:

  • FREUD, Sigmund. Carta para uma mãe americana. GAY, Peter. Freud: uma vida para nosso tempo. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
  • HATZENBUEHLER, Mark L. The social environment and suicide attempts in lesbian, gay, and bisexual youth. Pediatrics, v. 127, n. 5, p. 896-903, 2011.
  • https://www.terra.com.br/noticias/brasil/violencia-contra-gays-e-alarmante-no-brasil,85c457c0df54873f6cdd9b10a6c3e82e0hcbbupn.html

2017-10-18 00:00:00

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