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O impacto dos problemas de saúde mental em crianças e adolescentes. Maria Alice Fontes, Ana Soledade Graeff-Martins

Uma das tarefas da epidemiologia, o campo do conhecimento que se dedica a estudar quantitativamente a distribuição das doenças nas populações e os fatores associados a elas, tem sido a de determinar o impacto dessas condições para a sociedade.

A medida de impacto por excelência é a mortalidade, que estima as perdas de vidas associadas a uma doença. A partir da década de 1990, um grupo de pesquisadores propôs que o impacto das doenças passasse a ser medido não apenas pela mortalidade associada a elas, mas sim pelo número de anos de vida perdidos por morte prematura somados aos anos vividos com prejuízo (Global Burden of Disease Study (1)). Esse índice recebe o nome de DALY (Disability-adjusted life year) e, ao se utilizar este desfecho, as doenças psiquiátricas e condições associadas passam a figurar entre as maiores causas de impacto para a sociedade. Depressão, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia, condições associadas ao uso de álcool e lesões auto-infligidas encontram-se entre as trinta maiores causas de anos de vida perdidos por morte prematura somados aos anos vividos com prejuízo.

Os resultados do Global Burden of Disease Study também despertaram um maior interesse de pesquisadores e de órgãos de vigilância epidemiológica (pelo menos nos Estados Unidos e no Reino Unido) com relação à prevalência de transtornos mentais na infância e adolescência e o nível de prejuízo associado a essas condições (2, 3).

Estima-se que proximadamente 12% das crianças e adolescentes apresentem algum diagnóstico de transtorno mental acompanhado de prejuízo funcional (3). Infelizmente, a aplicação do conceito de DALY faz com que o impacto dos transtornos psiquiátricos na infância e adolescência seja subestimado, uma vez que a medida se refere a apenas um ponto no tempo, e não leva em consideração o valor futuro da saúde da criança (2). De qualquer forma, é claro o impacto econômico a longo prazo dos transtornos de saúde mental de crianças e adolescentes, tanto por diminuição da capacidade produtiva quanto por aumento da utilização de serviços de saúde, e de maiores necessidades nos setores educacional, de assistência social, de justiça e de cuidados informais (2).

Desde a década de 1980, estudos epidemiológicos sobre a prevalência de transtornos mentais em adultos começaram a relatar o início dos quadros ainda na infância ou adolescência (4). O exemplo mais recente desse tipo de abordagem é o National Commorbidity Survey Replication (5), que avaliou uma amostra representativa da população adulta (acima dos 18 anos) dos Estados Unidos e concluiu que transtornos muito prevalentes ao longo da vida, como os transtornos de ansiedade e transtornos de externalização, ou de controle dos impulsos, têm como início a idade de 11 anos.

Utilizando dados de indivíduos acompanhados desde o nascimento (The Dunedin Multidisciplinary Health and Development Study), Kim-Cohen e colaboradores (6) demonstraram que 73,9% dos portadores de um transtorno psiquiátrico aos 26 anos de idade já apresentavam algum diagnóstico psiquiátrico antes dos 18 anos, e 50% antes dos 15 anos. Combinados, os achados dessas pesquisas permitem a conclusão de que a maioria dos transtornos psiquiátricos diagnosticados na fase adulta, com todos os prejuízos envolvidos e seu impacto devastador, teve início na infância ou adolescência, o que justifica um investimento significativo em intervenções preventivas e terapêuticas já nessas fases.

A mobilização de todos os setores da sociedade é fundamental, principalmente dos profissionais envolvidos no atendimento dessas crianças e adolescentes. Melhores condições de identificação e tratamento de problemas de saúde mental na infância e adolescência são o único caminho para que o impacto negativo desses quadros seja menor para a sociedade, e para que as crianças e adolescentes se desenvolvam de forma mais completa e satisfatória.

Referências:

1. Murray CJ, Lopez AD. Global mortality, disability, and the contribution of risk factors: Global Burden of Disease Study. Lancet. 1997 May 17;349(9063):1436-42.

2. Belfer ML. Child and adolescent mental disorders: the magnitude of the problem across the globe. J Child Psychol Psychiatry. 2008 Mar;49(3):226-36.

3. Costello EJ, Egger H, Angold A. 10-year research update review: the epidemiology of child and adolescent psychiatric disorders: I. Methods and public health burden. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2005 Oct;44(10):972-86.

4. Costello EJ, Foley DL, Angold A. 10-year research update review: the epidemiology of child and adolescent psychiatric disorders: II. Developmental epidemiology. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2006 Jan;45(1):8-25.

5. Kessler RC, Berglund P, Demler O, Jin R, Merikangas KR, Walters EE. Lifetime prevalence and age-of-onset distributions of DSM-IV disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Arch Gen Psychiatry. 2005 Jun;62(6):593-602.

6. Kim-Cohen J, Caspi A, Moffitt TE, Harrington H, Milne BJ, Poulton R. Prior juvenile diagnoses in adults with mental disorder: developmental follow-back of a prospective-longitudinal cohort. Arch Gen Psychiatry. 2003 Jul;60(7):709-17.

2011-06-09 00:00:00

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