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A base genética do Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) Erika Bauer, Maria Alice Fontes

O que é o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)?

O TDAH se constitui no diagnóstico neuropsiquiátrico mais comum entre crianças em idade escolar, com uma prevalência de 8 a 12% no mundo.[1] Sua freqüente persistência ao longo da vida, bem como o relevante impacto social e econômico para o indivíduo, justifica o fato de ser um dos problemas médicos mais extensamente investigado no mundo. A última edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria descreve os sintomas do TDAH em dois grandes grupos: desatenção e impulsividade-hiperatividade. Dessa dualidade resulta o surgimento de 3 possibilidades que caracterizam os chamados sub-grupos: 1)  predominantemente desatento; 2)predominantemente hiperativo/impulsivo e 3) combinado. Entretanto, para cada um desses grupos existe considerável variação no grau de expressão comportamental, o que torna o diagnóstico complexo frente ao limite imposto pela dualidade “afetado X não afetado”.  O problema torna-se mais complexo pelo fato de ser freqüente a comorbidade (ocorrência simultânea de um outro distúrbio psiquiátrico) do TDAH com outros transtornos psiquiátricos, como por exemplo, o transtorno oposicionista desafiante (30 a 45%) e o transtorno obsessivo compulsivo (61 a 67%)[2]  Nos próximos anos, será necessária uma nova revisão dos critérios clínicos de diagnóstico como condição fundamental para dar suporte a toda investigação científica sobre o TDAH. 

O TDAH tem um componente hereditário (genético)?

Como elegantemente resumido por Faraone e colaboradores[3], existe avassaladora evidência de que o TDAH é herdado e que os fatores genéticos desempenham um papel significante na sua manifestação. Os estudos de associação genética realizados com gêmeos, famílias e crianças adotadas, têm sido fundamentais para se começar a compreender melhor a importância do fator genético e dos fatores ambientais nas manifestações clínicas do TDAH.[3]

O que é uma doença genética?

As nossas células contêm 23 pares de cromossomas. Cada cromossoma é basicamente uma molécula de DNA (ácido desoxirribonucléico) à qual se associam moléculas de  proteínas estruturais (que dão sustentação à molécula de DNA) e proteínas funcionais (que desempenham funções ligadas à duplicação da molécula de DNA  e à transcrição gênica). A transcrição gênica é um “trabalho” executado por moléculas de proteínas com a finalidade de construir, a partir de um gene (segmento específico da molécula de DNA), uma molécula denominada RNA (ácido ribonucléico) mensageiro. Essa molécula de RNA mensageiro será utilizada pela célula para montar a molécula de uma proteína específica. Assim sendo, podemos dizer que um gene é um segmento de uma molécula de DNA que será utilizado para a montagem de uma molécula de RNA mensageiro, que por sua vez será utilizada como um “gabarito” para a montagem de uma molécula de proteína. (DNA – RNAm – proteína).

Como acontecem as alterações genéticas?

As proteínas são moléculas comparáveis a colares de contas onde cada conta representaria uma molécula denominada aminoácido. Assim sendo, os aminoácidos, em número de 20,  são os elementos básicos de construção das proteínas. Nosso organismo constrói qualquer coisa em torno de 3500 proteínas. Uma proteína difere da outra em função da sua seqüência de aminoácidos. Um ponto importantíssimo a ser agora levantado é que a seqüência de aminoácidos acaba por determinar a forma espacial da molécula (como ela se “dobra e se enrola”), que é absolutamente vital para o desempenho de sua função. Isso posto, vamos ao ponto final: o gene codifica a montagem da molécula de RNA mensageiro, que codifica a montagem de uma molécula de proteína. Se houver um “defeito químico” no gene (segmento específico da molécula de DNA), esse defeito irá se refletir na molécula de RNA mensageiro e, finalmente, na seqüência de aminoácidos da proteína a ser construída. O defeito na seqüência de aminoácidos, por sua vez, pode interferir na forma espacial da proteína, diminuindo ou até anulando seu desempenho funcional.  Um exemplo típico de erro na posição de um único aminoácido é o que acontece com a chamada anemia falciforme. Os glóbulos vermelhos mudam da forma bicôncava para a forma de uma foice. Além disso, tornam-se  frágeis e arrebentam-se na corrente sanguínea, diminuindo, portanto, o número de glóbulos vermelhos no sangue (anemia). Esse é um excelente exemplo de DOENÇA GENÉTICA.

No caso do TDAH, entretanto, trata-se de uma condição em que mais de um gene está envolvido (distúrbio poligênico), afetando neurônios do sistema nervoso central.

Quais são as estratégias para encontrar os genes responsáveis pelo TDAH?

As estratégias utilizadas na busca pelos genes responsáveis pela suscetibilidade de surgimento do quadro clínico “típico” de um dos sub-tipos de TDAH são basicamente duas. A primeira estratégia utiliza uma análise global do DNA de indivíduos afetados e seus familiares, em comparação com indivíduos “normais”. São utilizadas “ferramentas” de biologia molecular, como por exemplo o uso de enzimas denominadas endonucleases, que “cortam” as moléculas de DNA em pontos específicos, gerando fragmentos de diferentes comprimentos. A análise comparativa desse perfil espectral de fragmentos (mapas de restrição) pode ser um ponto de partida para a utilização de “marcadores”, como por exemplo os SNPs ( Single Nucleotide Polymorphism – Polimorfismo de um único nucleotídeo). Em última análise, o que se pretende verificar é se os pacientes que apresentam o TDAH e seus familiares compartilham algum ou alguns segmentos de DNA com maior freqüência.[3,4,5,6] Poucos trabalhos nessa linha de investigação têm sido produzidos e, aparentemente, os segmentos genômicos detectados como possíveis sítios armazenadores de genes predisponentes para o TDAH  são diferentes, com exceção do 17p11.

Quais os genes que estão envolvidos com o TDAH?

Os genes estudados com maior freqüência são aqueles relacionados com a produção de moléculas envolvidas com a comunicação entre neurônios. Basicamente, quando um neurônio tem que se “comunicar” com outro neurônio, ele libera uma certa quantidade de moléculas mensageiras denominadas de neurotransmissor. Para que a comunicação se efetue, essas moléculas de neurotransmissor têm que se “encaixar” em moléculas situadas na membrana do neurônio receptor da “mensagem”, denominadas de receptores. Esse encaixe pode produzir, no neurônio que recebe a “mensagem”, uma série de conseqüências funcionais, tais como variação da voltagem elétrica da membrana e, até mesmo, a ativação de um ou mais genes. Entre os genes elencados como comprometidos com o TDAH, destacam-se os ligados à molécula de um neurotransmissor denominado dopamina, com especial ênfase para o gene que codifica a proteína que constitui o denominado receptor D4 de dopamina, bem como o que codifica a chamada proteína transportadora de dopamina.[7,8,9]

Qual o futuro para o entendimento da genética do TDAH?

O sucesso em termos de avanço do conhecimento está fortemente apoiado no esforço contínuo de equipes multidisciplinares com objetivos muito bem definidos.   Existe um grupo colaborativo internacional liderado pelo Dr. Stephen Faraone que já possibilitou o surgimento de um centro de recolhimento de dados para análises globalizantes (meta-análise). Novos grupos de pesquisa vêm se associando e trabalhando colaborativamente com o intuito de efetivamente avançar o conhecimento.

A Plenamente agradece imensamente a contribuição do Prof. Dr. Jarbas Arruda Bauer, professor titular do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP)

Referências bibliográficas

1-       The world wide prevalence of ADHD: Is it an American condition? Faraone,S.V. – World Psychiatry 2: 104-113, 2003

2-       Patterns of psychiatric comorbidity with attencione deficit/hyperactivity disorder.  Pliszka, S.R. – Child Adolesc.Psychiatr.Clin.N.Am. 9: 525-40, 2000

3-   Molecular genetics of attention-deficit/hyperactivity disorder. Faraone, S.V. et al - Biol.Psychiatry 57:1313-23

4- A genomewide scan for loci involved in attention-deficit/hyperactivity  Disorder. Fisher, S.E. et al. – Am. J. Hum.Genet. 70:1183-96, 2002

5- A whole genome-scan in 164 Dutch sib pairs with attention-deficit disorder:  suggestive evidence  for linkage on chromosomes  7p and 15q. Bakker, S.C. et al. – Am.J.Hum.Genet. 72: 1251-60, 2003

6- Attention-deficit/hyperactivity disorder  in a population isolate: linkage to loci at 4q13.2, 5q33.3, 11p22 and 17p11.  Arcos-Burgos,M. et al. – Am.J.Hum.Genet. 75: 998-1014, 2004

7-High prevalence of rare dopamine receptor D4 alleles in children diagnosed with attention-deficit/hyperactivity disorder. Grady, D.L. et al. – Mol.Psychiatry 8: 536-45, 2003

8- Meta-analisys of the association between the dopamine D4 receptor  gene 7-repeat   allele and attention-deficit hyperactivity disorder  Faraone, S.V. et al. – Am.J.Psychiatry 158: 1052-7, 2001

9-  The dopamine D4 receptor and the hyperactivity phenotype: a develop- mental-epidemiological study. Mill, J.S. et al. – Mol.Psychiatry  7: 383-91,2002

10-   Neuroscience of attention-deficit/hyperactivity disorder: the search for endophenotypes. Castellanos, F.X. and Tannock, R. – Nat.Rev.Neurosci. 3: 617-28, 2002

 

2008-07-12 00:00:00

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