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Quer compreender o adolescente? Entenda seu cérebro. Monica Maino, Maria Alice Fontes

Não é raro os adolescentes se queixarem por serem incompreendidos. Eles têm toda a razão!

Fica muito difícil para os adultos compreenderem as mudanças de humor, o tédio constante, as paixões arrebatadoras e depois o drama sem fim por ocasião do fim dos relacionamentos, a necessidade de passar tanto tempo em grupo, a oposição a qualquer ideia/sugestão dos pais, o "ficar" com vários pares na mesma balada, a impulsividade e a tendência a correr riscos, inclusive experimentando e/ou fazendo uso de substâncias. Este último é o que mais preocupa os pais.

Para começar a se pensar este processo, faz-se necessário compreender o essencial: Como funciona o cérebro do adolescente?

Ao contrário do que muito se ouve, não é apenas uma questão de hormônios. É o cérebro que dá o "start" para o início da puberdade. O hipotálamo detecta o instante de iniciar a produção de hormônios, o momento em que o corpo está pronto para passar por uma série de transformações. Adolescência é um período de reorganização cerebral, uma vez que o cérebro de um adolescente já atingiu o tamanho de um de adulto, mas passará por várias transformações internas. A substância cinzenta vai se afinando e a substância branca, que contém as conexões dos neurônios do córtex, ganha volume, provavelmente em função da mielinização, que é o processo de formação de "capas", bainhas de mielina, que funciona como camadas isolantes ao redor dos axônios, e permite maior rapidez e fidelidade na transmissão de informações no cérebro.

Esse amadurecimento cerebral não ocorre de forma simultânea em todas as regiões do cérebro. As últimas a amadurecerem são as regiões mais frontais, responsáveis pela modulação emocional do pensamento e pelo sistema inibitório e de regulação. O córtex pré-frontal é uma região cerebral responsável pela nossa tomada de decisões, raciocínio lógico e crítico. Ou seja, sempre que planejamos algo e consideramos o custo versus o benefício, bem como as consequência dos comportamentos, estamos utilizando o córtex pré-frontal. O processo de amadurecimento cerebral acontece a partir da porção posterior para a anterior - ou seja, de trás para frente. Isso significa que o córtex pré-frontal é a última região cerebral a estar madura, fato este que ocorre por volta dos 25 anos de idade. Este amadurecimento naturalmente tardio explicaria a razão pela qual os adolescentes tomariam decisões menos racionais e mais emocionais, tornando-se um risco para aqueles que estão fazendo uso de drogas. Por outro lado, existe um sistema responsável pela busca de prazer e ele está bastante ativado no cérebro dos adolescentes.

Como fuciona o sistema de recompensa cerebral?


Os seres humanos cotidianamente buscam o prazer. Se um determinado comportamento ou atividade nos proporciona prazer, a tendência natural é repetirmos aquele comportamento em busca da sensação prazerosa. Imagine que você tenha feito uma apresentação acadêmica e tenha se sentido confortável com a admiração da plateia. A probabilidade de você se envolver de modo mais frequente e intenso nessa atividade aumenta, pois isso foi algo prazeroso. O mesmo acontece quando você assiste a uma série de TV divertida, quer assistir a todos os outros episódios de uma só vez. 

Do ponto de vista neural, um sistema chamado "sistema de recompensa cerebral" responde por tudo isso. Este sistema funciona a partir da liberação de várias substâncias conhecidas como neurotransmissores, em regiões específicas do nosso cérebro. A função de um neurotransmissor é proporcionar a regulação dos impulsos nervosos a partir da ativação ou inibição do neurônio. Assim, o neurotransmissor é liberado e se liga a um receptor, podendo gerar um impulso nervoso no neurônio ou reduzir sua atividade. O neurotransmissor mais importante no sistema de recompensa é a dopamina, produzida na região do tronco encefálico, em uma área chamada mesencéfalo. O mesencéfalo possui dois núcleos que fabricam a dopamina. Neste caso, o núcleo chamado de área tegmental ventral (ATV) produz a dopamina em grandes quantidades e a libera em outro núcleo, chamado núcleo accumbens (Nac). O Nac é uma estrutura cerebral que faz parte do centro do prazer, sendo ativado quando a dopamina proveniente da ATV se liga aos receptores no Nac. Ao pensar na apresentação ou na série, é isso que acontece: o prazer trazido por estas situações está ligado à liberação de dopamina no Nac.

Fica evidente um desequilíbrio entre as vias neurais envolvidas na inibição, que estão hipoativadas, e das envolvidas na busca do prazer, que estão hiperativadas na adolescência. É como se o adolescente estivesse com o pé no acelerador com toda a força ladeira abaixo, enquanto o sistema de freio não estivesse funcionando com toda a sua capacidade. 

É preciso lembrar que os usuários de substâncias também estão construindo seu cérebro adulto. O uso de psicotrópicos atrapalha o sistema de recompensa que está se solidificando e fazendo os ajustes finais. Usar drogas neste momento é uma péssima ideia.

Qual o papel dos pais dos adolescentes?

O envolvimento dos pais é fundamental na vida dos adolescentes, embora estes defendam sua autonomia e seu direito à individualidade todo o tempo. Os adultos ficariam impressionados ao saber como no ambiente terapêutico os adolescentes demostram ainda se importar tanto em como os pais julgam seu comportamento, mesmo que não se permitam expressar isso a eles.


Então, a dica é não desistir; cabe aos pais e professores dar limite e sinalizar situações de risco, sempre de maneira firme e gentil simultaneamente. Por outro lado, é preciso permitir que os filhos corram alguns riscos, aprendam o que pode dar errado quando se arriscam. São as experiências que nos permitem adquirir habilidades. Escolher o risco pode fazer toda a diferença. É por aí que se torna possível prenunciar como cada um encerrará sua adolescência. O ideal é que se saia deste período com estrutura cerebral otimizada, tanto para resolver problemas, como para persistir em situações problemáticas (resiliência). É esperado que se desenvolva a capacidade de prever consequências de seus atos e colocar-se no lugar do outro (empatia), a capacidade de formular hipóteses sobre a mente do outro.

Como adolescência não é doença, mas um processo riquíssimo de transformação, não existe cura para essa fase. Cada família precisa encontrar suas próprias soluções baseada numa relação de respeito mútuo e conexão, trazendo sempre o senso de importância e significância. É recomendado que quando o adolescente repete o comportamento de colocar-se em situações de risco, como uso de drogas, acidentes, contravenções, desafio constante a professores e autoridades ou brigas, os pais busquem ajuda de um profissional de saúde mental, se possível, especialista em adolescência. Ele poderá ajudar, tanto na orientação dos pais quanto no atendimento do adolescente. Às vezes, crescer dói e uma intervenção terapêutica pode fazer toda a diferença.

Bibliografia:
Andrade, A. L. M.; Micheli, D. de; Silva, E. A. da. Neurociências do abuso de drogas em adolescentes. Prevenção ao uso de álcool e outras drogas no contexto escolar, p. 25, 2014.
Casey, B.J., Rebecca M. Jones, and Todd A. Hare. "The Adolescent Brain." Annals of the New York Academy of Sciences 1124 (2008): 111-126. PMC. Web. 6 Mar. 2018.

2018-03-08 00:00:00

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