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Explicando os efeitos do exercício físico no cérebro e na saúde mental. Erika Ferreira de Azevedo, Maria Alice Fontes

Há muito se sabe que os exercícios físicos fazem bem ao corpo. Você sabe quais são os efeitos e os mecanismos de sua ação no cérebro e na cognição?

Uma das maneiras pelas quais os exercícios promovem a saúde mental é normalizando a resistência à insulina, aumentando os hormônios e neurotransmissores naturais associados ao bem estar e ao controle de humor, incluindo endorfinas, serotonina, dopamina, glutamato e GABA. Entretanto esta não é única forma de ação. Os exercícios físicos, além de promover a síntese de neurotransmissores e hormônios, ajudam a metabolizar substâncias associadas ao estresse, que podem levar à depressão.

De acordo a equipe do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade de Estocolmo [1], músculos bem treinados têm níveis mais elevados de uma enzima que ajuda a metabolizar uma substância química do estresse chamada quinurenina. A quinurenina e seus metabólitos participam de funções biológicas essenciais à sobrevivência, como a dilatação dos vasos sanguíneos durante os processos inflamatórios e a organização da resposta imunológica. O aumento da produção de quinurenina pode precipitar sintomas depressivos.

A descoberta sugere que exercitar seus músculos realmente ajuda a livrar o corpo de produtos químicos resultantes do estresse que podem levar à depressão. De acordo com Agudelo (2014) [1]: "Nossa hipótese de pesquisa inicial era de que músculo treinado iria produzir uma substância com efeitos benéficos sobre o cérebro. Na verdade encontramos que o músculo bem treinado produz uma enzima que limpa o corpo de substâncias nocivas. Assim, a função do músculo seria uma reminiscência das funções do rim ou do fígado".

De que forma o estresse causado por uma atividade física pode ser benéfico para o cérebro?

O que faz com que o estresse induzido pelo exercício seja diferente do estresse desencadeado por eventos negativos de vida é que, em contraste com (mau) estresse psicológico, o estresse físico (bom) está associado com o aumento da inativação do cortisol, aumento da síntese de anandamida, uma substância do sistema canabinóide que atua na regulação de várias atividades do sistema nervoso central, aumento do BDNF, (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro) que tem uma função de neurogênese, além do aumento da serotonina. O exercício aeróbico modula hormônios, níveis de neurotransmissores e endocanabinóides, o que não acontece quando somos acometidos por estresse psicológico.

Há evidências sugerindo que o aumento dos níveis de anandamida durante o exercício pode ser um dos elementos-chave para o incremento de BDNF, que exerce efeitos benéficos sobre a cognição através da sua capacidade de aumentar a neurogênese, plasticidade sináptica e potenciação a longo prazo, a base de aprendizagem (Leckie et al., 2014) [2].

Como explicar a sensação prazer que alguns indivíduos têm depois de realizarem atividade física prolongada?

A sensação de prazer após atividade física está relacionada com a liberação de endorfinas, os opióides endógenos. Quando você pensa da palavra "opióides", pode associar com drogas viciantes como o ópio ou a morfina. Mas seu corpo também produz suas próprias versões desses produtos químicos (chamados "endógenos" ou produzidos dentro de um organismo), geralmente em resposta a momentos de estresse físico. Opióides endógenos podem ligar-se aos receptores opióides no cérebro, que afetam todos os tipos de sistemas. A ativação dos receptores opióides podem ajudar a neutralizar a dor, algo que certamente está presente no final de um longo treino. Receptores opióides também podem atuar em áreas relacionadas com a recompensa, como o estriado e núcleo accumbens. Lá, eles podem aumentar a liberação de dopamina, fazendo o exercício físico vigoroso mais agradável. (Boecker et al., 2008) [3].

Além disso, há indícios de que os endocanabinóides, aumentam a liberação de endorfinas no hipotálamo. Os endocanabinóides são sintetizados tanto no sistema nervoso central, como perifericamente, onde eles se ligam ao receptor de canabinóides tipo 1; (Crosby e Bains, 2012) [4]. Uma única sessão de treino de resistência a 70-80% da capacidade máxima da frequência cardíaca fornece o aumento significativo de endocanabinóides (Raichlen et al., 2013) [5], persistindo por alguns dias depois da execução da atividade física. Existe uma elevada densidade de receptores canabinóides no córtex frontal, amígdala, hipocampo, hipotálamo, as áreas cruciais para a manutenção do equilíbrio emocional.

A atividade física pode melhorar a performance na escola?

Castelli et al (2007) [6] realizaram um estudo com 259 alunos do 3º e do 5º ano em outro distrito escolar americano também e correlacionou de forma positiva a forma física (medida como resultado de aptidão física derivada da prática frequente de exercícios) com performance acadêmica. A partir deste estudo, tentou-se determinar quais as variáveis estavam em jogo mais precisamente.

O que se verificou foi que, primeiramente, o componente de atividade física correlacionado com ganhos acadêmicos foi principalmente o componente aeróbico, ou seja, quem praticava mais atividade aeróbia ia melhor na escola.

Como isso se dá? Supõe-se que as crianças com bom condicionamento físico devido a exercícios aeróbicos (correr, nadar, andar de bicicleta, etc.) apresentem melhora também na performance neurofisiológica e comportamental alocando os recursos de atenção e memória de trabalho de forma mais eficiente, sendo mais habilidosas em discriminar estímulos – capacidade importante na solução de problemas e compreensão de informação.

Como a atividade física pode ajudar a manter a cognição na vida adulta e no envelhecimento?

Ratey e Loehr (2011) [7], da Universidade de Harvard, através de um estudo de revisão, examinaram os mecanismos pelos quais a atividade física melhora a cognição. Revisaram estudos que avaliam os efeitos da atividade física sobre o desempenho das funções executivas mais tarde na vida. Os autores concluíram que a atividade física é fundamental para preservar as funções executivas como a capacidade de planejar e priorizar tarefas. A capacidade controlar os impulsos e a memória operacional também são ativadas com o exercício físico, e podem representar um ganho importante frente ao envelhecimento.

De fato, umas das consequências do envelhecimento é o declínio do sistema nervoso central, acarretando na lentidão de respostas motoras, cognitivas e de função executiva em idosos (Rodrigues & et al, 2010) [8]. Este fenômeno coloca muitos idosos em situações de dificuldades para lidar com as demandas cotidianas como dirigir de forma segura, andar na rua ou em casa de forma atenta a não se expor a riscos de, por exemplo, tropeçar, e compreender instruções como as de como seguir um tratamento médico. Segundo os autores [8] “as pessoas idosas possuem uma maior dificuldade em fazer uso da informação sensorial, em detectar e corrigir erros, e em controlar as ações motoras quando se deparam com exigências do ambiente em que vivem”. Em seu estudo sobre o tempo de reação simples e o tempo de antecipação, em idosos praticantes e não praticantes de atividade física, os autores concluem que os praticantes de atividade física tiveram resposta significativamente mais rápida na tarefa apresentada do que os que não praticavam atividade física.

A atividade física pode ajudar em transtornos mentais?

Lourenço et al (2015) [9] realizaram uma revisão bibliográfica para investigar a eficácia de programas de intervenção motora em diversos sintomas relacionados com pessoas com Autismo e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento. Dezoito estudos foram analisados cujas “intervenções pretenderam beneficiar o comportamento agressivo e estereotipado, funcionamento social, resistência, qualidade de vida e stress, aptidão física e resistência”. Os resultados positivos abrangem diversas áreas, entre elas, foram observadas melhorias em funções executivas, redução do comportamento estereotipado e inadaptado e melhora na atenção e no desempenho acadêmico.

Concluindo, a atividade física tem sido apontada como um importante coadjuvante no tratamento dos transtornos mentais, devido a seu efeito de regulação hormonal, equilíbrio de neurotransmissores, síntese de endocanabinóides, além do aumento de proteínas que aumentam a neurogênese.

Todos os transtornos mentais podem ser beneficiados por uma prescrição regular de atividade física com um especialista na área de educação física. O trabalho em conjunto com a equipe de psicólogo e psiquiatra produz melhores resultados.

É importante apontar os exercícios são considerados formas terapêuticas coadjuvantes para o tratamento e prevenção da saúde física e mental como um todo. Não é a prática de esportes que sozinha promove o desenvolvimento cognitivo, mas junto das outras medidas específicas pode acelerar, manter e auxiliar os tratamentos de saúde mental.

Considerando os benefícios para a saúde citados nos diversos estudos e documentos, é alarmante notar que, segundo a Organização Mundial da Saúde [10], em 2010, 23% dos indivíduos de 18 anos ou mais apresentava níveis de atividade física abaixo do adequado.


Bibliografia:

1. Agudelo LZ, Femenía T, Orhan F, Porsmyr-Palmertz M, Goiny M, Martinez-Redondo V, Correia JC, Izadi M, Bhat M, Schuppe-Koistinen I, Pettersson AT, Ferreira DM, Krook A, Barres R, Zierath JR, Erhardt S, Lindskog M, Ruas JL. Skeletal muscle PGC-1α1 modulates kynurenine metabolism and mediates resilience to stress-induced depression. Cell. 2014 Sep 25;159(1):33-45.

2. Leckie, R. L., Oberlin, L. E., Voss, M. W., Prakash, R. S., Szabo-Reed, A., Chaddock- Heyman, L., et al. (2014). BDNF mediates improvements in executive function following a 1-year exercise intervention. Front. Hum. Neurosci. 8:985.

3. Boecker, H., Sprenger, T., Spilker, M. E., Henriksen, G., Koppenhoefer, M., Wagner, K. J., et al. (2008). The runner's high: opioidergic mechanisms in the human brain. Cereb. Cortex 18, 2523–2531.

4. Crosby, K. M., and Bains, J. S. (2012). The intricate link between glucocorticoids and endocannabinoids at stress-relevant synapses in the hypothalamus. Neuroscience 204, 31–37.

5. Raichlen, D. A., Foster, A. D., Seillier, A., Giuffrida, A., and Gerdeman, G. L. (2013). Exercise-induced endocannabinoid signaling is modulated by intensity. Eur. J. Appl. Physiol. 113, 869–875.

6. Castelli, D. M., Hillman, C. H., Buck, S. M., Erwin, H. E. Academic Achievement in Third- and Fifth-Grade Students. Journal of Sport & Exercise Psychology, 29, 239-252. 2007.

7. Ratey, J. & Loehr, J. (2011) E. The positive impact of physical activity on cognition during adulthood: a review of underlying mechanisms, evidence and recommendations. Reviews in the Neurosciences. Volume 22, Issue 2, Pages 171–185,
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21417955

8. Rodrigues, P. C. S., Barreiros, J. M. P., Vasconcelos, M. O. F. & Carneiro, S. R. M. (2010). Efeito da prática regular de atividade física no desempenho motor em idosos. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.24, n.4, p.555-63, out./dez. 2010.

9. Lourenço, Carla Cristina Vieira; Esteves, Maria Dulce Leal; Corredeira, Rui Manuel Nunes; Seabra, André Filipe Teixeira e. Avaliação dos Efeitos de Programas de Intervenção de Atividade Física em Indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo Rev. bras. educ. espec;21(2):328-328, abr.-jun. 2015. tab.

10. OMS [Organização Mundial da Saúde]. Recomendações da OMS dos níveis de atividade física para todas as faixas etárias. http://www.saude.br/index.php/articles/84-atividade-fisica/229-recomendacoes-da-oms-dos-niveis-de-atividade-fisica-para-todas-as-faixas-etarias

2016-02-28 00:00:00

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