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A importância da atividade lúdica no desenvolvimento psicossocial da criança. Maria Alice Fontes

Cenas comuns de brincadeiras infantis incluem ver um bebê montar blocos plásticos e derrubá-los, encaixar peças, a menina se fantasiar com as roupas da mãe, brincar de casinha e cuidar de seus filhos (bonecas), ou ainda, o menino fingir que é um super-herói, construir cidades, entre outras variadas e inesgotáveis situações. As crianças brincam sós, em grupos, na escola, em casa, mas o que se observa atualmente é que, muitas vezes, uma agenda lotada de compromissos além da escola faz com que cada vez menos tenham tempo livre para simplesmente brincar.

Mas por quê essa atividade é tão fundamental para o desenvolvimento da criança? A resposta pode ser curta: porque a brincadeira traz vantagens sociais, cognitivas e afetivas na medida em que se constitui uma situação privilegiada de aprendizagem infantil1. Vygotsky, um psicólogo russo, já há 20 anos atrás afirmava: “na brincadeira a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário: no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade... o brinquedo fornece estrutura básica para mudanças das necessidades e da consciência. A ação na esfera imaginativa, numa situação imaginária, a criação de intenções voluntárias e a formação dos planos de vida real e motivações volitivas, tudo aparece no brinquedo” (1984, p.117).

Entretanto, o brincar apresenta características diferentes de acordo com o desenvolvimento das estruturas mentais, havendo, segundo as idéias de Piaget três etapas: [ 2]

- Entre os 0 e 2 anos de idade: o período sensório-motor do desenvolvimento. 

Piaget enfatiza que o principal objetivo da criança nessa primeira etapa do desenvolvimento é a obtenção do prazer, da satisfação de suas necessidades. À medida que a criança aprende novos comportamentos (engatinhar, andar, falar, entre outros), se torna consciente de suas próprias capacidades e dessa forma obtém prazer, a medida que tem suas necessidades atendidas. Nessa faixa etária, a criança prefere o chão ao berço, quer experimentar os primeiros passos sozinha, demonstra alegria nas tentativas de imitação da fala, mantém a atenção durante minutos com suas mãos e pés, revelando um verdadeiro e prazeroso jogo de descoberta corporal.[2,1]

A criança explora os objetos através dos sentidos e da ação motora, da manipulação, o que caracteriza os jogos de exercício. Esses jogos oferecem à criança sentimentos importantes de poder e eficácia, fortalecem sua auto-estima e são fundamentais para o seu desenvolvimento global. Embora sejam características primordiais do período sensório-motor, os jogos de exercício estão presentes durante toda a vida do ser humano, já que novos comportamentos são aprendidos em todo momento, sejam eles relacionados ao trabalho ou à socialização dos indivíduos. [2, 3]

- Entre os 2 e 7 anos de idade: os jogos simbólicos do período pré-operatório.

A diferença da atividade lúdica nessa etapa da vida em relação á anterior, é que o objetivo da criança continua sendo a sensação de prazer nas interações, porém utilizando a simbologia, como o faz-de-conta, as histórias, os fantoches, o desenho, o brincar com os objetos atribuindo-lhes outro significado (por exemplo, um lápis se “transforma” numa vara de condão).

Os jogos simbólicos são possíveis, pois nessa fase da vida a criança já é capaz de produzir imagens mentais. A linguagem falada lhe permite o uso de símbolos para substituir os objetos. [2, 3]

O jogo simbólico se caracteriza pelo brincar apenas pelo prazer de brincar, sem a imposição de regras – exceto as criadas pela própria criança – e sem objetivos concretos. Além disso, possibilita à criança elaborar aspectos de sua vida real que sejam mais difíceis, como o nascimento de um irmão, a separação dos pais, ou mudança de escola. Da mesma maneira, permite ao observador perceber como a criança pode conviver com suas angústias e desejos.

Com os jogos simbólicos a criança exercita tanto a sua capacidade de pensar quanto suas habilidades motoras, pois brincando ela corre, pula, salta gira, etc. Os adultos devem estimular o jogo simbólico da criança, principalmente no tocante às imitações sem modelos prévios, a fim de que a criança aprimore seu desenvolvimento cognitivo e adquira equilíbrio emocional adequado para lidar com suas descobertas quanto ao relacionamento interpessoal2. Ressalta-se ainda, que além de elaborar situações conflitantes, o jogo simbólico oferece à criança a compreensão e o aprendizado dos papéis sociais que fazem parte de sua cultura (papel de pai, de mãe, filho, professor, etc). [3]

- A partir dos 7 anos de idade: os jogos de regras do período operatório concreto.

O jogo de regras é compreendido como a atividade lúdica da criança que já está socializada.[2] Nessa etapa, a criança aprimora sua capacidade de interação com outras pessoas utilizando as regras e as normas sociais. Sua estrutura mental e emocional já lhe possibilita a compreensão e assimilação de combinados e compromissos, tornando os jogos com regras fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de ação e tomada de decisões, assim como a avaliação e análise dos próprios erros. Esta seqüência de comportamentos desde a ação, análise e monitoramento a partir da auto-crítica, vai possibilitando o exercício de manejo emocional. Todos estas etapas são primordiais para o desenvolvimento do raciocínio lógico da criança e do futuro adulto. [2, 3]

Compreendida a dimensão fundamental que o brincar assume, é importante proporcionar um ambiente rico para a brincadeira e estimular a atividade lúdica no ambiente familiar. Lembrando que rico não significa ter inúmeros brinquedos caros, mas fazer com que as crianças experimentem as diferentes linguagens que a brincadeira possibilita (musical, corporal, gestual, escrita), fazendo com que desenvolvam a sua criatividade e imaginação.

Os psicólogos e psicopedagogos também podem propor à criança jogos que possibilitem um maior desenvolvimento e compreensão de suas potencialidades. Na ludoterapia (tratamento terapêutico através do lúdico) a brincadeira faz com que as crianças expressem seus conflitos, ansiedades e fantasias sem que elas tenham que se expressar verbalmente, o que as ajudará a elaborar dificuldades vivenciais se essas já estiverem presentes no seu campo psicológico.

Nesse sentido, se a capacidade de brincar uma criança está inibida, fique atento, pois pode indicar que algo não vai bem com o seu desenvolvimento psicossocial.

Referências bibliográficas

[1] Wajskop, G. O brincar na educação infantil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, nº92, p.62-69.

 

[2] Piaget J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.

[3] Gonçalves, J.E. Jogos: como e por que utilizá-los na escola. Disponível em: http://www.fundacaoaprender.org.br/

[3] Vygotsky, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 

2005-07-19 00:00:00

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